sábado, 23 de julho de 2011

Reforma educacional, econômica ou social?

Por Daniela Dino        

          "Foram os piores anos da minha vida.” A frase ainda é dita com sofrimento pela estudante carioca Chanel de Andrade Rodrigues, de 18 anos. Ela está no 1o ano da faculdade de artes, mas não esquece o período em que estudou no Santo Agostinho, do Rio de Janeiro, um dos colégios mais tradicionais e bem-conceituados do país. Do 7o ano do ensino fundamental ao 1o ano do ensino médio, passou seus dias perdida entre aulas que não acompanhava, um enorme volume de conteúdos para memorizar, provas difíceis, notas baixas e um séquito de professores particulares a cada final de ano letivo. Na escola, não gostava de sair para o recreio e não comia nada. Em casa, compensava a ansiedade comendo demais. Na escola anterior, menos rígida, onde tirava boas notas, costumava nadar e fazer aulas de dança. No Santo Agostinho, evitava as aulas de educação física. Chanel entrou em depressão e engordou 20 quilos.

          A mãe tentou convencê-la a fazer terapia, mas ela se recusava. “Eu só queria ser invisível”, afirma. “Odiava a competitividade que estava sempre no ar.” Só depois que Chanel foi reprovada, no 1o ano, sua mãe decidiu trocá-la de escola. (Procurado por ÉPOCA, o Santo Agostinho não respondeu aos pedidos de entrevista.) O caso de Chanel é apenas um entre centenas que revelam uma realidade incômoda: o custo emocional alto – muitas vezes altíssimo – do modelo de eficiência adotado naquelas escolas que exigem alto desempenho dos alunos e garantem todo ano boas colocações nos melhores vestibulares.
        Consideradas as melhores do país, quase sempre campeãs nas provas nacionais de avaliação, as escolas de ensino tradicional representam, na mente de muitos pais, uma esperança de sucesso para a vida dos filhos num mercado de trabalho competitivo. Apesar de seus resultados inquestionáveis e da procura crescente por escolas desse tipo, esse modelo agora começa a ser mais e mais questionado por seus efeitos colaterais.

         O ensino tradicional surgiu na Europa do século XVIII como um modelo em que os alunos são ensinados e avaliados de forma padronizada. Ele se inspira na ideia de que a mente das crianças é uma tabula rasa, um espaço em branco sobre o qual os diversos conteúdos – gramática, matemática, ciências, história etc. – devem ser inscritos seguindo um método rigoroso de exposição e avaliação. Mais do que qualquer outra aptidão, valoriza o acúmulo de conhecimento: quanto mais fatos e fórmulas o aluno aprende, mais bem avaliado ele é.

       Há, ainda, uma forte pressão por desempenho nas provas e um grande volume de conteúdo a estudar. As escolas tradicionais também costumam ser mais rígidas em regras de comportamento, como respeito ao horário, freqüência às aulas, uso de uniforme e atitude no recreio. Apesar de ter incorporado conceitos pedagógicos mais modernos, a essência do modelo tradicional de ensino permanece a mesma – e a educação tradicional está em alta no mundo, com filas de espera para matrículas e salas abarrotadas de alunos.
       A grande procura por uma vaga numa dessas escolas se explica pelo desempenho acima da média de seus alunos. No Brasil, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que classifica as escolas públicas e particulares a partir das notas tiradas numa prova feita pelos alunos, é decisivo para a família na hora de escolher onde matricular seus filhos. Há anos, os colégios mais tradicionais e rígidos ocupam o topo da lista. “É comum hoje em dia pais e mães compararem as posições das instituições em que seus filhos estudam. Se os resultados das escolas não são bons, bate o sentimento de que se está fazendo algo errado”, afirma Quézia Bombonato, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia."


           
           Compartilho acima um trecho de uma reportagem das jornalistas Martha Mendonça e Margarida Telles a fim de analisar o método padrão de ensino utilizado nas escolas do nosso país.
           Um rápido olhar sobre a realidade educacional brasileira é suficiente para constatar que o caso da menina Chanel Rodrigues não é exceção. O fato é que as escolas têm tornado o aprendizado cada vez mais mecânico e garantido o ingresso no mercado de trabalho como essência principal do ensino. No entanto, essa visão metódica do Ensino Médio gera uma competitividade cada vez maior e degradante entre os alunos, que vivem pressionados emocionalmente pelo modelo adotado (um desempenho descabido é exigido pelas escolas com o intuito de garantir suas colocações nos vestibulares mais concorridos do país). Assim, valorizando cada vez mais a necessidade de abastecer o sistema capitalista por meio da concorrência e da importância de se mostrar melhor que o outro, surge a disputa pela tão sonhada vaga nas Universidades Federais ou Estaduais, disputa essa  que não deveria existir.

            Os efeitos colaterais: depressão, anorexia, obesidade... É certo o que deveria ser visto como objetivo e direito do cidadão causar medo? O doentio é ter que se submeter a um sistema de avaliação tão injusto e pouco eficaz. O vestibular não mede o conhecimento por completo; visto que inclusive o nervosismo e a pressão colocada por si mesmo (e pela própria sociedade) dificultam a demonstração do aprendizado. Então qual o porquê do vestibular funcionar dessa forma? É hora de uma reforma educacional? É hora de se repensar se mais que qualquer outra aptidão, o acúmulo de conhecimento pode ser visto como índice ou padrão de qualificação? Mais importância deveria ser dada ao ensino das Ciências Sociais e a formação do indivíduo deveria ser voltada para a vida, e não para o mercado de trabalho, como prega o Sistema econômico em que vivemos. A sociedade precisa reavaliar o mundo para cuidar de si mesma; ou os efeitos colaterais serão ainda mais desproporcionais e depressivos. 
          Visto as possibilidades de tantos efeitos indesejáveis, abre-se uma questão para um patamar mais além: o sistema econômico baseado no modelo capitalista vive em função da sociedade, ou nós que vivemos em função do capital e organizamos nossos pensamentos de acordo com o que é pregado por esse sistema? É certo o estigma de que a competitividade garante vaga no mercado de trabalho? É certo viver em função da desigualdade e das diferentes oportunidades de ensino; da fome e da pobreza; da competitividade e do dinheiro?

2 comentários:

  1. Muito bom Danica! Bem escrito, com ideias maduras e consistentes! Concordo que o vestibular, como o são as provas em geral, é um método limitado de aferição de conhecimento. Contudo, infelizmente ainda é o melhor método que possuímos, certamente o mais justo. Por mais que direcionamentos existam e os filhos das classes mais abastadas saem claramente favorecidos pelo sistema, por terem tido uma melhor preparação, sem o vestibular, seria ainda mais difícil garantir a igualdade entre os concorrentes. Outros métodos, como a entrevista, por exemplo, são igualmente falhos, e possibilitam maiores influências de caráter discriminatório.
    A melhor forma, ao meu ver, não é extinguir a prova, mas torná-la mais inteligente, como o CESPE tem feito, acredito. Priorizando questões que façam pensar, como problemas de raciocínio lógico, além de questões sobre ética, filosofia, sociologia, cultura (as artes entram aí)...
    Além disso, o colégio deve preparar seus alunos não só para a prova, mas também para a frustração de não passar numa prova, por exemplo. A aprovação no vestibular é apenas um dos desafios que serão enfrentados pelos alunos e eles precisam saber que não terão sucesso sempre e aprender como lidar com isso é tão importante quanto desenvolver as aptidões para atingir o sucesso.
    Beijo grande! Tou orgulhosa!

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  2. Dani,
    você demonstrou no texto muita sensibilidade e espírito crítico, destacando um dos problemas sensíveis de nosso sistema educacional, que deveria empenhar-se mais em preparar nossos jovens para a vida em aspectos como solidariedade intergeracional, ética e moralidade pública.
    Parabéns!
    Nicolao Dino

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