quinta-feira, 30 de junho de 2011

#rotina; #internet; #informação (demais)

Por Vinícius Dino

Reproduzo abaixo crônica do escritor Marcelo Rubens Paiva, publicada tanto em seu blog (http://blogs.estadao.com.br/marcelo-rubens-paiva/), quanto em sua coluna no caderno de cultura do jornal O Estado de S. Paulo. Se no formato usual das páginas dos jornais o texto já fazia todo o sentido, na internet esse significado se potencializa, ganha uma certa dimensão metalinguística. As frases curtas e simples remetem à lógica fragmentada e superficial da vida conectada 24h por dia, onde o pensamento de até 140 caracteres é o padrão. Acredito que a disposição formal das ideias seja proposital e tenha um objetivo maior: retratar o comportamento do indivíduo exposto a uma quantidade imensa de informação, muitas vezes de utilidade e qualidade duvidosas. É uma leitura agradável e estimulante, principalmente se feita na própria internet. Acho que muitas pessoas podem se identificar e adquirir uma visão mais crítica sobre o cotidiano excessivamente informatizado, sem no entanto deixar de aproveitar a ferramenta de comunicação poderosíssima que a internet de fato é. Se por um lado a experência na internet é libertadora por dar acesso a informações antes inéditas, por outro pode escravizar, e essa dicotomia deve ser apontada.



nas nuvens

O despertador do celular dispara.
Desligar e checar se há mensagens enviadas como uivos da madrugada e emudecidas pelo modo silencioso.
Nada.
Ninguém barrado pela blitz Se Beber Não Dirija.
Nenhum amigo carente.
Nenhum caso mal resolvido decidiu rediscutir temas em aberto da relação, com a alta voltagem alcoólica interferindo no bom senso.
Ligar o computador antes do café da manhã.
Checar o feed de notícias.
De repente, o mundo acabou, e estou por fora, sou um ser ainda perdido no labirinto dos meus sonhos ou no vácuo do limbo eterno.
Nada disso.
Comediantes de stand-up continuam dando foras, celebridades são flagradas aos beijos no Leblon, e o ex-jogador da seleção de três copas atrás é sondado por um time local.
Ler as notícias em quatro sites abrangentes; para se manter bem informado por posturas editoriais diferenciadas.
Prestar atenção na lista de notícias mais lidas, para se certificar de que todas as informações foram obtidas.
Abrir e-mail um, o profissional.
Abrir e-mail dois, o de amigos.
Abrir e-mail três, o secreto.
Abrir o Gmail, o gratuito.
Abrir o Skype e checar mensagens ou ligações perdidas.
Permitir que o computador faça as atualizações oferecidas, enquanto toma um banho.
Aceitar as licenças dos novos softwares baixados, sem entender para que servem, confiando nas sugestões do sistema operacional.
Para que o computador possa ser reiniciado, e você estar atualizado contra ameaças à privacidade.
Responder e-mails um, dois e três.
Entrar no Twitter e postar a frase que bolou no banho.
Entrar no Face.
Você foi cutucado por três amigos. Cutucar de volta dois. O terceiro… Faz o charme. Decide cutucá-lo mais tarde.
Checar os aniversários do dia. Parabenizar a maioria com a mesma frase da primeira felicitação, que você deixou gravada no Ctrl-C.
Não se esquecer de visitar a página “Libertem Amina Abdullah”, a blogueira lésbica síria.
Parece que ela foi sequestrada.
 Checar no Twitter os Trends Brazil, USA e Worldwide.
Caramba, por que falam tanto daquela cantora viciada em heroína? Teve uma overdose, caiu do palco, agrediu um paparazzi, morreu?
Checar nos Twitees Top.
Que nada, ela virá ao Brasil, e os ingressos do show estão caríssimos. Usuários sugerem boicote.
Você decide não se manifestar. Mas leva a discussão para o Face sobre o show caro da cantora viciada.
Aproveita e feiça no mural a frase que bolou no chuveiro.
Percebe que há três solicitações de amizades. Você não conhece nenhum dos três. Mas há amigos em comum.
Antes de aceitar, entra nas páginas dos solicitantes, reconhece amigos e vê fotos marcadas. Continua a ter uma vaga lembrança de quem são.
Gasta cinco minutos para aceitá-los, apesar de estar ciente de que seu número de amigos atinge o limite tolerável.
Mas graças às ferramentas de bloqueio que fizeram o Face superar o Orkut, caso algum deles seja do tipo
viciado que posta muitas bobagens por dia, entupindo sua Página Inicial, você pode aprisioná-lo no nada.
Voltar ao Twitter e reparar que sua frase bolada debaixo do chuveiro repercute.
Decide responder a dois @Mentions: um do seu melhor amigo e outro de um desconhecido que você nem sabia que te seguia.
Decide ver o Full Profile do desconhecido. Não tem ideia por que ele o segue. Vai mais fundo. Dá um face no nome do estranho. Ele está lá, lógico, como 600 milhões de seres de todas as nações, conhecidos como “usuários”.
Mas o perfil dele é restrito. Hum, metido…
Fica intrigado por dois minutos e, numa atitude impulsiva, decide cutucá-lo.
Voltar para os TTs da cantora viciada e descobrir no canto da tela que falam de um notório apresentador de TV no Trends Brasil. Entrou na lista e já ocupa a honrosa posição de terceiro lugar no pódio.
Imagina que o feito é responsabilidade de internautas que levam o termo laptop ao pé da letra: ficam diante da TV com o computador no colo, comentando o que veem. O que não é o seu caso. Ainda.
Entrar nos Twittes e descobrir que os usuários comentam que o apresentador engordou nas últimas semanas, e que o figurino não é o apropriado.
Você volta para os Twittes da cantora viciada, que caiu para a oitava colocação no Trends. Liga seu iTunes para ouvi-la. Mas terá de fazer um upgrade da sua atualização.
Aproveitar e sicronizar seu celular, para não perder os dados; nunca se esquece do dia em que perdeu um celular com todos os contatos, pois não praticava o ato banal de conectar seu computador ao seu celular por um cabo de dez reais.
Voltar para e-mails um, dois e três e responder as correspondências mais urgentes. Checar no antispam dos e-mails dois e três se algo importante ficou preso na quarentena.
Voltar para o Face e responder a três mensagens e dois convites de eventos. Confirmar a sua presença.
Começam a pipocar comentários no seu Mural sobre a frase bolada no chuveiro e o preço dos ingressos da cantora viciada. Você responde à maioria.
Começa a sangrenta maratona.
Entrar na Página Inicial do Face. Ler o que seus amigos compartilham. Comentar e curtir. Ver os vídeos linkados. Descobrir o endereço embeded ou URL original, para mandar para seus amigos, como se fosse uma pepita descoberta por você. E tuitar os mais relevantes e condizentes com a sua personalidade, ou melhor “perfil”.
Numa outra janela, checar finalmente o Timeline do Twitter. Agências de notícia. Amigos. Celebridades. Atrizes gostosas. Jogadores de futebol. Piadistas. Frases famosas. Comentaristas. Pensamentos. Opiniões. Risos. Confissões. Novidades. Confidências. Desabafos.
Compartilhar com seus amigos do Face o que você acha relevante no Twitter. Curtir, opinar, concordar, polemizar, zoar. Seduzir!
Cuidado!
Já tem novas solicitações de amizade, cutucadas e curtidas.
O dia está só começando. Ainda guardar tempo para os telejornais, para se manter bem informado.
Espere!
Amina Abdulahh, a blogueira lésbica síria, entra no Trends USA.
A sequestrada.
Não.
Como assim?
Não existe blogueira síria.
Como não?
Repercute no mundo.
Era um cara se fazendo passar por ela.
Um americano barbudo.
Era mentira.
Uma farsa.
Parar de digitar e olhar a tela do computador.
Tudo mentira…

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Desafio: escolha uma vírgula, e, em respeito às normas gramaticais, mude-a de lugar de forma a mudar o sentido do período.

Por Clara Lima

"Diz-se que ele soprou e apareceu Adão e que da costela de Adão ele fez Eva. Ficaram dois. E ficaram os dois lá, só eles, e o tempo não passava. Naquele tempo Deus ainda não tinha inventado o tempo. Era tudo misturado, o antes, o agora, o depois, ficava tudo ali no meio. Até que um dia Adão pensou, ô, meu Deus do céu, isso não acaba nunca não, é? Por sorte, Deus teve a idéia de inventar o dia e a noite que era para o tempo passar."


Resposta:
"(...), ô, meu Deus do céu, isso não acaba nunca não, é?"

No fragmento original, sem alteração da posição da vírgula, o "é" após a vírgula mostra traços de oralidade e regionalismo (visto nas repetitivas pausas) no texto, resgatando assim, características da literatura de Cordel.
"(...), ô, meu Deus do céu, isso não acaba nunca, não é?"
Com a mudança no posicionamento da vírgula, a sentença parece já supor sua confirmação, enquanto anteriormente era de fato uma interrogativa.