sexta-feira, 1 de julho de 2011

Meia-noite em Paris: o chamado de Woody Allen à criação

Por Vinícius Dino




Em seu último filme, o cineasta americano Woody Allen fala sobre o processo de criação e um paraíso criativo que habita o imaginário da maioria dos aspirantes a artistas: Paris na década de 20. Ao deixar a zona de conforto de sua Manhattan natal, onde filmou a grande maioria de seus filmes, Woody Allen nos transporta a Paris na pessoa dos personagens Gil (Owen Wilson) e Inez (Rachel McAdams). O primeiro, roteirista infeliz com sua vida monótona pautada pelas demandas da indústria de cinema em Hollywood, está escrevendo seu primeiro romance, e idealiza ao máximo uma Paris onde circulam seus heróis Ernest Hemingway, T.S. Eliot e F. Scott Fitzgerald, além de Pablo Picasso, Salvador Dalí, o cantor Cole Porter, e a também escritora, além de "mecenas" Gertrude Stein. Já a segunda, é uma jovem americana típica, fútil e que não dá valor às ambições artísticas do seu futuro marido, se ocupando mais com as compras durante a viagem, enquanto o noivo faz verdadeiras peregrinações a espaços históricos parisienses. Sua mentalidade e a de seus pais é o que dá espaço às já usuais críticas bem-humoradas do cineasta ao american way of life. O pai da personagem, por exemplo, é um magnata pertencente à ala direita do Partido Republicano (quase um nazista!). Em um de seus passeios solitários por Paris, quando o relógio dá meia-noite, passa um carro que convida Gil a entrar. Nesse momento ele é transportado no tempo, e conhece pessoalmente todos os grandes artistas que reverencia, passando a frequentar festas e ambientes da vanguarda dos anos 20. Em uma dessas festas, conhece Adriana, interpretada por Marion Cotillard, que apesar de namorar diversos artistas e participar intensamente da vida que Gil idealiza, considera tudo aquilo comum, não se identifica com sua época, e sonha com a era de 30 anos antes: a Paris da Belle Époque, da efervescência cosmopolita de uma França onde viviam Van Gogh, Degas, Gauguin, Lautrec, e os impressionistas, e todos se encontravam em cabarés como o Moulin Rouge, não em bares normais da Era do Jazz, conforme designação de Scott Fitzgerald para os anos 20. Esse impasse é o que estimula a grande problematização que pode ser feita a partir do filme: e nós, cidadãos do séc. XXI, quanto temos de Adriana e Gil? A época considerada extraordinária por Gil não o era pra Adriana, enquanto provavelmente para alguma outra pessoa da época de Monet, Caravaggio fosse o grande artista. Sujeitos históricos que somos, não podemos viver sem olhar para trás e conhecer nossa trajetória. Porém, ao rejeitar nossa própria época, quanto de vida e arte não podemos estar perdendo? A consideração cabe perfeitamente em um tempo em que predomina a negação da arte, e há a tentativa de desconstruir seu significado por parte de algumas pessoas, que amparadas no discurso de uma suposta pós-modernidade criativa, decretam o fim do fenômeno artístico. Na mesma medida, os anos 60 são apontados como o último grande período de efervescência cultural e intelectual, a última grande reviravolta no processo de criação. Desde então, a humanidade parece estar em um estado de suspensão e inércia, à espera de algum elemento sobrenatural de avant-garde disposto a introduzir uma nova revolução estética. Woody Allen mostra, acima de tudo, que a arte é feita por seres humanos, e não está livre de suas idiossincrasias e imperfeições. Entretanto, cabe somente a nós recuperar a importância da criação a fim de encontrarmos nosso lugar no mundo, assim como um dia os modernistas conferiram com sua arte algum significado àquela confusa Europa do período entreguerras. Do contrário, ficaremos como Adriana, que no filme tem a oportunidade de voltar no tempo até a Belle Époque, e escolhe ficar pra sempre lá, escolha incompreensível por parte de Gil, que apesar de idolatrar os escritores da Geração Perdida (denominação de Gertrude Stein), prefere voltar à sua vida em 2010 (ano do filme).

Nenhum comentário:

Postar um comentário